Um Limite Entre Nós (Fences, 2016) | Crítica

18:52:00


Matheus R. B. Hentschke

Possivelmente o mais esquecido, junto ao público, entre os indicados ao Oscar 2017 de Melhor Filme, Um Limite Entre Nós traz a adaptação da peça teatral homônima de August Wilson que rendeu dois Tony Awards para seus atores principais na reencenação de 2010: Denzel Washington e Viola Davis. A produção da adaptação cinematográfica demorou a sair do papel devido à insistência de Wilson para que um diretor afro-americano fosse o encarregado e eis que Denzel Washington, em janeiro de 2016, iniciou os trabalhos tanto como diretor, quanto como novamente protagonista da obra, exigindo apenas uma diretriz: a de que todas as ações deveriam ser tomadas pensando nas palavras de August Wilson, que havia morrido em 2005 e deixado um roteiro adaptado para o cinema.


O enredo traz a história de Troy Maxson (Denzel Washington), um coletor de lixo que no passado teve pretensões de se tornar um jogador profissional de beisebol, mas que a vida acabou levando-o para outros caminhos, como o de garantir o sustento e a sobrevivência de sua família. O protagonista, já com seus 53 anos, tenta conciliar a perda de seus sonhos com a manutenção de seus relacionamentos, como com sua esposa Rose (Viola Davis), com seus filhos e com seu amigo Bono (Stephen Henderson). De fato, Washington consegue ser fiel ao que exigiu de seus comandados: o de respeitar e homenagear a obra original. É notório que todas as noções de teatro estão ali presentes: os cenários restritos, que se resumem praticamente a casa conseguida a muito custo por Troy, os deslocamentos de personagens "no palco" e as atuações expansivas. 

Tudo parece estar sendo realizado como uma peça filmada, na qual o espectador é envolvido pela dinâmica de relacionamento existente entre cada um daqueles complexos seres humanos. O maior exemplo desse quesito, contudo, está no personagem protagonizado por Denzel Washington. É soberbo acompanhar as nuances e as camadas de Troy Maxson, que assim como consegue fazer o espectador se tornar cúmplice de suas histórias hiperbólicas referentes ao seu passado, também é capaz de gerar asco pelas suas atitudes rígidas e intransigentes, como é possível observar quando seu filho Cory (Jovan Adepo) lhe dirige a palavra para pedir autorização para jogar futebol americano e Troy recusa e exige com rispidez ter a frase sempre terminada por "senhor". Washington produz uma aula de atuação com seu Troy de discursos musicais e exagerados, que preenchem cada cena de tal forma, que se torna redundante e desnecessário qualquer acompanhamento de trilha sonora, uma vez que seu intérprete completa cada sequência com uma atuação memorável, que foi merecidamente indicada ao Oscar de Melhor Ator. 





A obra acerta ao fazer de seu protagonista um ser tão marcante, que mesmo quando não está em cena, faz-se presente pela suas marcas produzidas nos demais personagens que com ele convivem. Entretanto, não é possível escrever sobre Um Limite Entre Nós sem mencionar o trabalho de Viola Davis. Assim como o personagem de Washington, a Rose interpretada por Viola passa por uma evidente evolução durante a película, passando de uma mulher contida, restrita ao seu ofício doméstico, para uma pessoa combativa e descontente com seu paradigma restritivo. Viola Davis consegue captar a essência de sua personagem e ora auxilia Washington a dar mais vigor em suas cenas ora rouba-as trazendo momentos de forte carga dramática, que mostram o porquê de seu merecido Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

Um Limite Entre Nós se sustenta em seus protagonistas, isso é indiscutível, porém é preciso destacar a capacidade do roteiro em abarcar com sucesso, como pano de fundo, a vida precária dos negros nos Estados Unidos na década de 50, como é possível observar na discussão de Troy a respeito de os brancos sempre dirigirem o caminhão enquanto os negros tinham de ficar atrás coletando o lixo e nas inúmeras cenas em que Troy valoriza suas escassas conquistas materiais, tais como seu salário e sua casa. 



Contudo, mesmo com esse valor humano, tanto no ambiente micro, com personagens de peso, quanto no ambiente macro, com pinceladas históricas de conjuntura de vida dos cidadãos afro-americanos, Um Limite Entre Nós se equivoca ao trazer inúmeros diálogos teatrais, com alguns monólogos excessivos e, por vezes, distantes da narrativa cinematográfica. Além disso, há, no terceiro ato, diversos falsos finais que auxiliam a gerar a sensação de inconstância no ritmo, podendo soar tedioso para alguns. Mas, a verdade é que a película dirigida por Denzel Washington, mesmo com relativos deslizes, é uma obra de arte merecedora de cada uma de suas indicações e vitórias no Oscar 2017. De fato, foi honrada a memória e o trabalho de August Wilson. 

Nota: 8,0 / 10

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