Fragmentado (Split, 2016) | Crítica

22:57:00



Matheus R. B. Hentschke

Antes de começar a crítica propriamente dita, é preciso fazer uma breve consideração: que revigorante é voltar a assistir M. Night Shyamalan nos cinemas em um projeto que volta às origens de sua carreira. Assim como em Corpo Fechado (Unbreakable, 2000) e A Vila (The Village, 2004), Fragmentado retorna à atmosfera de fábula embebida em mistério tão presente nos melhores exemplares de sua filmografia oscilante, ainda que valorosa. É preciso salientar, contudo, que mesmo havendo essa clara sensação de que o diretor bebe da fonte na qual construiu sua promissora carreira, Fragmentado não chega aos pés de um Shyamalan em plena forma, mas raspa a superfície - em alguns quesitos - com honra.


Casey (Anya Taylor-Joy), Claire (Haley Lu Richardson) e Marcia (Jessica Sula), colegas de colégio, são sequestradas em um estacionamento por Kevin (James McAvoy), um homem diagnosticado com 23 personalidades diferentes, que possui pretensões indefinidas até a chegada de uma possível 24ª identidade maligna. Rapidamente, Shyamalan coloca os conceitos básicos da trama para o espectador, que precisará juntar os fragmentos de informações dados ao longo da obra, a fim de completar as motivações e o background daquelas meninas e daquele macabro raptor. Mais precisamente, há uma criação de polos bem definidos: o detalhamento da personagem de Anya Taylor-Joy, com flashbacks de sua infância - em que uma adorável Izzie Coffey dá vida à Casey - em oposição às repentinas aparições das diversas facetas de Kevin. Além disso, a película esforça-se na ilustração das idas à psiquiatra, Karen Fletcher (Betty Buckley), por parte do sequestrador. 

Nesse paradigma, há a grande falta cometida por Shyamalan, ou seja, a de não escolher com sapiência seu foco narrativo. Enquanto Fragmentado opta por jogar com a tensão das meninas, em que um misto de sensualidade e pavor é passado por aquelas adolescentes em perigo, e com a dinâmica de relação existente entre sequestrador e sequestradas, a película funciona de forma orgânica, ainda mais quando valoriza a peculiaridade existente em Casey, uma das garotas ali em cativeiro. Entretanto, o que produz resultados de medianos para irrelevantes, são as consultas psiquiátricas de Kevin e as aparições de sua doutora. 



Seguindo à risca os clichês cinematográficos envolvendo psiquiatras, o filme traz uma médica que está mais interessada em provar a existência do distúrbio de personalidade que acomete seus pacientes para a comunidade científica, do que propriamente descobrir a recente estranheza nas atitudes de Kevin, que começa a marcar consultas emergenciais em maior frequência, sem nunca revelar os reais motivos. Para completar, quão desinteressante é ter de ouvir a doutora explicando, por diversas vezes, o que era, como funciona e o quão longe poderia chegar o distúrbio químico sofrido por seus pacientes, tornando a exposição excessiva do roteiro uma falha que sabota o ritmo do filme; ainda mais, quando essas desnecessárias sequências ocorrem intercaladas aos acontecimentos, esses sim instigantes, das três adolescentes tentando superar suas adversidades. Tanto a escolha equivocada do roteiro escrito por Shyamalan, quanto a montagem que quer valorizar esse paradigma de "Kevin meets his psychiatrist", ao intercalar tais cenas frustrantes ao que realmente interessa, acabam por limitar a capacidade de produzir tensão e imersão em alta, ainda que haja sim bons momentos e relevantes quesitos a serem assinalados.

A começar por James McAvoy. Sua interpretação de múltiplos personagens, que iam de Dennis, um estrategista frio e compulsivo quanto à higiene, passando por Barry, um estilista excêntrico, até Hedwig, um garoto de 9 anos que gostava de dançar ao som de Kanye West, além de inúmeras outras personalidades, revelam uma atuação que mostra o valor de McAvoy enquanto ator. Conhecido por seus trabalhos em X-Men, como o Professor Xavier, o ator escocês demonstra uma capacidade de personificação magistral, sem nunca soar como uma caricatura, arrancando elogios por todos que assistem sua performance que se mostrou como o grande chamariz de Fragmentado (confira uma entrevista como o elenco). É obrigatório, no entanto, ressaltar outra performance de encher os olhos: Anya Taylor-Joy. A câmera diversas vezes em close-up de Shyamalan, que exige de seus atores e atrizes expressões faciais marcantes, não soa como qualquer empecilho para Taylor-Joy mostrar as facetas de sua personagem Casey, que consegue sustentar o motivo de suas atitudes esquivas, ainda que sagazes, com a maestria de quem inicia uma carreira promissora e relevante. É esperar para ver se dará frutos.


Por fim, como não valorizar a habilidade de M. Night Shyamalan enquanto diretor. Sempre procurando criar sequências incomuns, o cineasta usa e abusa de câmeras subjetivas, planos próximos e ângulos frontais, valorizando a imersão e a atuação de cada um de seus comandados em cena. Mesmo com uma direção habilidosa e com performances incríveis, mais uma vez Shyamalan não consegue repetir os acertos do início de sua carreira, entregando uma obra de escopo limitado, devido a um roteiro inconstante.

Nota: 7,0 / 10

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