A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, 2017) | Crítica

09:09:00


Matheus R. B. Hentschke

A suspensão voluntária da descrença não poderia ser um ponto de partida mais interessante para debater acerca desse musical. Tal conceito cinematográfico diz respeito sobre a vontade do público em aceitar ou não como verdadeiras as noções estabelecidas em uma ficção. Logo, a artificialidade e a inverosimilhança naturalmente existentes em um musical, precisam ser executadas com tamanha destreza e com tamanha sapiência para manter a suspensão da descrença, pois caso contrário é simples de o espectador não crer e não se envolver com a temática proposta. Será que A Bela e a Fera - saiba mais - conseguiu alcançar esse ponto crucial e fazer uma adaptação em live-action de qualidade?



É possível desprender essa resposta já no primeiro ato da obra, em um sonoro e evidente "não". A começar pela falta de uma justificativa clara para a execução dessa adaptação, visto que a inexistência de atributos tanto narrativos, quanto visuais mostram o quanto o trabalho do diretor Bill Condon, que assina essa película, não está embasada em qualquer motivo a não ser o de gerar uma bilheteria polpuda para os já cheios cofres do Walt Disney Studios.

O enredo, praticamente o mesmo da animação musical que rendeu premiações no Globo de Ouro e no Oscar da época (1992), traz a relação entre Bela (Emma Watson), uma camponesa sonhadora que deseja transcender sua vida pacata, e Fera (Dan Stevens), um príncipe que fora amaldiçoado, devido à sua arrogância ao não dar abrigo a uma senhora que, na verdade, era uma feiticeira. Para libertar seu pai, que fora preso no castelo da Fera por "roubar" uma rosa, Bela aceita ser prisioneira naquele local habitado por seres fantásticos, tais como Lumière (Ewan McGregor) e Cogsworth (Ian McKellen), uma vela e um relógio falantes respectivamente, devido a maldição ter recaído sobre todos aqueles que estavam no castelo junto da Fera à época. 




Há uma clara preguiça por parte do roteiro de Stephen Chbosky e de Evan Spiliotopoulos em não acrescentar quase nada verdadeiramente original à adaptação e ainda empobrecer o conteúdo original. Possivelmente, o único recurso que traz algum vigor a uma trama reciclada e de desenvolvimento parco é a ampliação do "Girl Power" de Bela, que se mostra ambiciosa quanto ao seu futuro e combativa contra cada investida de seu admirador mesquinho Gaston (Luke Evans) e de seu inicialmente algoz Fera. Mesmo assim, o enredo apenas estereotipa seus personagens e pouco acrescenta quando a questão trata-se sobre o desenvolvimento tanto da história propriamente dita, quanto das relações estabelecidas. Para enxergar uma exemplificação clara disso, em uma montagem rápida após a Fera salvar sua pretendente de um ataque de lobos ferozes, o relacionamento entre os dois surge de maneira veloz, criando uma profunda ligação relâmpago que mais alimenta a teoria de alguns detratores quanto a esse "forte amor" ser proveniente de uma Síndrome de Estocolmo.

Não bastasse a narrativa tortuosa, à exceção de Bela, interpretada por uma Emma Watson com uma fantástica presença de cena e com um carisma único - saiba mais - os demais personagens mostram-se genéricos de uma adaptação desleixada da elogiada animação do início dos anos 90. Apesar de atores e de atrizes de peso, tais como Emma Thompson, Stanley Tucci, Ewan McGregor e Ian McKellen, pouco é possível obter de suas atuações por motivos de efeitos especiais limitados que não captam a essência de cada intérprete. Seja o Lumière de McGregor, seja a senhora Potts, a xícara falante, de Thompson, há escassa empatia por cada um daqueles seres improváveis. Bill Condon, mais uma vez, envolve-se em uma direção carente de efeitos visuais razoáveis, uma vez que ele é o mesmo nome por trás dos insossos Amanhecer - Partes 1 e 2, continuação da saga Crepúsculo, com efeitos que trazem real significado à frase "melhor esquecer". 



A Bela e a Fera, esse de 2017, impressiona pela carência de predicados, ainda mais quando colocado em perspectiva com a adaptação francesa do conto realizado em 2014 por Christophe Gans, com um design de produção belíssimo, desde os cenários, até aos figurinos de cores vivas, La belle et la bête - protagonizado por Léa Seydoux e por Vincent Cassel - realmente agrega qualidade ao seu produto, justificando-se como arte. O que assusta, no entanto, é que uma megaprodução do Walt Disney Studios possa estar tão aquém de uma produção francesa de orçamento visivelmente menor; a melhor explicação, portanto, dessa disparidade só pode recair em uma causa: o objetivo de tratar as marcas da Disney mais como produtos para licenciamento, caso visto nos filmes de super-heróis com a tão polêmica "Fórmula Marvel", e o consequente desinteresse em tentar trazer algum ato audacioso à obra, contentando-se com o célebre "lugar comum", que nesse caso sequer o alcançou, mas sim um visível equívoco, legando o filme ao rótulo de esquecível e de datado desde sua estreia.

Mesmo se tudo saísse de maneira equivocada, contudo, ainda teria as canções e os números musicais, certo? A questão, entretanto, é que Condon mais uma vez sabota sua obra com misènscenes medíocres, trazendo um caráter excessivamente engessado e de pouco brilho. Mesmo quando a apresentação musical funciona, bem no início, quando Bela caminha pelo seu vilarejo apresentando-o, é nítida a sensação de que tudo não passa de um ensaio, na qual o diretor mexe com dureza cada personagem em cena para entregar músicas e danças a muito custo. Além disso, as novas roupagens para as canções premiadas da animação, mostram-se meramente funcionais ou burocráticas e, praticamente, nenhuma chega a produzir algum efeito acertado. De fato, Bill Condon não consegue manter a suspensão de descrença em quase nenhum momento, tornando a experiência de assistir A Bela e a Fera algo inócuo e irrelevante.



Nota: 5,0 / 10




Trailer Oficial:




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