Cinquenta Tons de Cinza (Fifty Shades of Grey, 2015) | Crítica

19:11:00



Matheus R. B. Hentschke

O livro Cinquenta Tons de Cinza, publicado em 2011, causou um alvoroço semelhante ao já visto com o sucesso da série juvenil Harry Potter e do livro, de conteúdo pseudo-histórico, O Código da Vinci. Se no caso das obras da autora J.K. Rowling a polêmica girou em torno da questão religiosa, com acusações de que Harry Potter levaria as crianças para o caminho da crença real na feitiçaria, e no caso do livro de Dan Brown, as igrejas cristãs não concordaram com as teorias propostas, ou seja, entre elas, a de que Jesus teria um relacionamento amoroso com Maria Madalena, por vezes, interpretada como um prostituta na Bíblia; Cinquenta Tons de Cinza leva o debate para uma outra esfera que não a religiosa, mas sim a social, mais especificamente, a do papel da mulher em um relacionamento.


A obra escrita por E.L. James traz a temática do sadomasoquismo como um fetiche glamourizado, embebido em uma linguagem simples e em clichês pastelões, sendo tachado jocosamente como o "pornô para mães" ou como o livro da "Cinderela tarada". Entretanto, mesmo sendo ridicularizado por alguns, tornou-se um sucesso de vendas, inclusive vindo a público inúmeras atrizes, escritoras e, até mesmo, políticas para defender a obra. Em tempos em que o feminismo cresce enquanto movimento, estavam lá todos os ingredientes para que a adaptação cinematográfica de Cinquenta Tons de Cinza chegasse aos cinemas, em 2015, com um burburinho crescente e um debate ainda maior.

Na trama, Anastasia Steele (Dakota Johnson), estudante de literatura, tem de entrevistar o poderoso empresário Christian Grey (Jamie Dornan), substituindo sua amiga jornalista, Kate (Eloise Mumford), na função. Após esse encontro, estabelece-se entre eles uma forte ligação que leva a protagonista a adentrar na turbulenta e sofrida alma do bilionário solteiro. A verdade, entretanto, é que depois dessa interação inicial entre Anastasia e Christian, o que se vê é uma relação surgindo quase instantaneamente, a fim de que o desenrolar da narrativa pudesse correr para o que interessava. Mas, o que realmente interessava? O conturbado desenvolvimento do relacionamento amoroso incomum entre esses dois seres debilitados.






Ao chegar a consumação do ato sexual e da ampla ilustração dos segredos de Grey, com seu quarto vermelho de utensílios "bondage", a película permanece girando em torno de cenas repetidas e reaproveitadas em sequência. Christian faz uma surpresa, utilizando sua polpuda conta bancária, ao dar presentes e experiências luxuosas, Anastasia se encanta com a suposta nova prova de amor e os dois transam mais uma vez. Isso se recicla incontáveis vezes durante a execução da narrativa até que, por fim, cessa essa euforia romântica, e a película se encerra abruptamente para deixar um cliffhanger para a continuação. Isso seria uma sinopse mais honesta de Cinquenta Tons de Cinza, visto que a trama é, de fato, demasiadamente simplória, porém que não se satisfaz apenas em parar nesse grave defeito.


Os diálogos, muitos trazidos diretamente da obra de E.L. James, completam o quadro de "soft porn", em que a obra é permeada. É verdadeiramente embaraçoso assistir Jamie Dornan, intérprete de Christian Grey, ter de proferir frases como: "Eu não faço amor. Eu f ***... Com força". Isso só para pautar o quão cafona, por vezes, Cinquenta Tons de Cinza consegue ser, mas isso é apenas um dos inúmeros exemplos presentes ao longo de suas 2 horas e 5 minutos de duração.

É preciso, ainda, destacar a falta de uma maior abrangência do roteiro que se limita a pobre relação entre Anastasia e Christian, sem desenvolver a contento temáticas que poderiam elevar o discurso da obra, como a do menino que havia sofrido abusos em sua infância e vivia atormentado e necessitado de relacionamentos pautados pelo controle e pela submissão, ou como a da garota com uma família fragmentada e omissa que não lhe deram uma significativa capacidade de se impor perante a vida. Cinquenta Tons de Cinza, infelizmente, opta por permanecer injustificado enquanto temática, visto que além da esquematização excessiva, na qual uma insegura Anastasia acata as vontades de um onipresente Christian para satisfazer as carências de ambos, pouco resta para entreter ou para debater. Nem mesmo as polêmicas cenas de sexo chegam a produzir qualquer sentimento, uma vez que Ninfomaníaca de Lars von Trier já havia estreado, inclusive seus dois volumes já tinham sido lançados em 2013, com ousadias infinitamente maiores do que a sensualidade asséptica do relacionamento entre Anastasia e Christian.

No miolo de todo esse tornado de situações pouco memoráveis e de momentos nada interessantes, há uma produção empenhada que tenta fazer malabarismos com o "script" desenvolvido, a fim de não queimar seus nomes na indústria. Vejamos quem sobreviveu: Sam Taylor-Johnson, a diretora da adaptação, tenta com esforço fazer seu produto funcionar com a seriedade que deveria ser tratada. Inúmeras panorâmicas dos helicópteros e dos carros de Grey sendo pilotados e dirigidos respectivamente para impressionar Anastasia, múltiplos planos tentando trazer alguma personalidade e alguma sensualidade às cenas de sexo, diversos closes tentado extrair expressões de valor de seus protagonistas. Na maioria das vezes, Taylor-Johnson não consegue nada além de uma direção genérica e pouco inspirada, ainda que não tenha sido um completo desastre de sua parte.





Quanto a dupla de protagonistas há dois polos: de um lado está Dakota Johnson, que faz o possível com sua Anastasia bidimensional, que passa por uma jornada de evolução esdrúxula, indo de sua insegurança e inocência constantes para uma súbita tomada de força interior, culminando em alguns confrontos com seu amante. Bem distante do esforço e de algum carisma passados por Johnson, encontra-se um Jamie Dornan que parece pouco se importar em dançar nas labaredas que reduzem a cinzas qualquer chance de considerá-lo um ator de primeira linha. É exaustivo ver o roteiro incluí-lo como uma figura quase onipresente na narrativa, ainda mais com seus diálogos canastrões. Dornan parece, contudo, não estar muito além do papel que fora lhe dado e permanece com as mesmas feições durante toda a duração de Cinquenta Tons de Cinza, apenas permutando entre duas ou três expressões levemente diferentes. São deveras sutis as variações em sua atuação, para usar um eufemismo.

O que traz à experiência de assistir a Cinquenta Tons de Cinza algum alento é a trilha sonora de Danny Elfman, conhecido por suas colaborações com Tim Burton. Com uma vibe notadamente calcada no pop, indo de Ellie Goulding a Beyoncé - ouça uma das canções - Elfman faz o possível para trazer alguma dinamicidade e algum vigor a um enredo monótono, que não se decide quanto a ir para uma vertente mais dramática ou permanecer no tom de humor, que de fato seria mais acertado, devido ao resultado final. Resta assistir as continuações e ver se algo é corrigido para elevar um pouco a obra que iniciou como uma "fanfic" de Crepúsculo e agora necessita alçar voos com seus próprios conceitos. 

Nota: 5,0 / 10


Trailer Oficial:





Entrevista com Dakota Johnson e Jamie Dornan: 






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