Personal Shopper (2016) | Crítica

23:25:00


Matheus R. B. Hentschke

O aprisionamento em traumas de um passado recente que ainda cobra suas dívidas. A sensação de cárcere mesmo havendo liberdade. O isolamento advindo de uma vida à margem da sociedade e do convívio interpessoal. A personagem Maureen - interpretada por Kristen Stewart - está permeada por essas e demais questões no novo filme de Olivier Assayas, repetindo a parceria firmada entre os dois desde o premiado, no Festival de Cannes, Acima das Nuvens (Clouds of Sils Maria, 2014). 

O enredo traz a história de Maureen - uma personal shopper - que trabalha para a celebridade Kyra (Nora von Waldstätten) e que permanece em Paris ainda apenas para encontrar um sinal de seu irmão gêmeo Lewis, morto devido a um problema de saúde que ela mesma compartilha. Mesclando a temática de fantasmas com o submundo da moda, Assayas mais uma vez abrange inúmeros conceitos e gêneros, assim como em Acima das Nuvens, só que agora sem a metalinguagem de sua obra anterior. A questão, porém, é que em Personal Shopper sua visão crítica e analítica da contemporaneidade parece não se mostrar tão afiada como em seu trabalho predecessor. Ainda assim, o diretor francês consegue extrair momentos de profunda compreensão do homem moderno, por meio de sua excêntrica protagonista.




Ao trazer como um de seus focos narrativos a ausência existencial de Maureen, que vive uma rotina burocrática, ao ter de selecionar e levar roupas finas e joias caras para sua empregadora Kyra, tendo apenas a companhia solitária de seu IPhone, de seus fones de ouvido e de eventuais encontros com a ex-mulher de seu irmão, é que Assayas acerta mais em Personal Shopper. A ilustração da solidão de uma jovem que procura um rumo para sua vida, mas que permanece atada às correntes de sua monótona e vazia existência funciona e cresce, principalmente, quando ocorre, durante grande parte do segundo ato, a troca de mensagens via celular entre ela e um desconhecido que parece se interessar sobremaneira a seu respeito.

Inicialmente relutante e apreensiva em estar sendo inquirida por um total estranho, aos poucos a protagonista se entrega ao convite de ultrapassar os limites e de alcançar algo mais, devido à elucidação e à provocação trazidos pelos questionamentos do inquiridor anônimo. Méritos para Assayas, que nesse ponto consegue trazer um ar de Cisne Negro (Black Swan, 2010) de Darren Aronofsky, ao fazer sua personagem Maureen - assim como a Nina interpretada por Natalie Portman no trabalho que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz - descobrir-se e romper com as barreiras presentes em uma vida medíocre permeada por um luxo e por um glamour distantes. Além disso, a capacidade de tornar diversas sequências de interação da protagonista com seus gadgets imersivas e relevantes para a construção da narrativa ilustram a capacidade de Assayas como um diretor de ponta e um dos grandes nomes do cinema francês atual.

É preciso destacar, contudo, o quanto essa narrativa de Personal Shopper peca por extrapolar as possibilidades, ao abrir vários gêneros e não desenvolvê-los a contento. Ainda que haja afinidades entre conceitos como o do consumismo e da moda para preencher um vazio que necessita, até mesmo, crer em fantasmas e espíritos, a fim de completar uma vivência fragmentada, a obra mostra-se incapaz de gerir - de forma razoável - cada uma das facetas apresentadas pela trama. As ideias de espiritismo e de fantasmas, ainda que agreguem valor a película em algumas cenas dirigidas com habilidade pelo diretor que consegue produzir tensão sem a utilização de muitos jump scares e de excessivas trilhas sonoras; acaba por não se encaixar ao roteiro naturalmente, aparecendo como pontas destoantes de um enredo que se beneficiaria de um maior foco na existência difusa de Maureen e na escalada para o clímax (sem excessivas elucidações para não conceder spoilers), que soou um tanto genérico e distoante ao incluir um crime de construção abrupta.



Quanto a repetição da parceria de Kristen Stewart com Olivier Assayas - saiba mais, ao que parece é que um foi feito para trabalhar com o outro. Tanto a Maureen de Personal Shopper, quanto a Valentine de Acima das Nuvens formam o perfeito typecasting, quando um ator ou atriz tem o perfil exato para determinado papel. O aspecto distante e quase mal-humorado de Stewart, considerada como uma pessoa que nunca sorri por muitos detratores, torna a atriz perfeita para ambos os trabalhos do diretor francês, conseguindo um destaque merecido pela sua atuação relevante, que no caso de Personal Shopper leva - com todas as letras - o filme nas costas. Uma pena que o roteiro difuso tenha levado esse suspense dramático a trilhar apenas o caminho do mediano.

Nota: 6,5 / 10


Trailer Oficial:



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