A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell | Crítica

22:59:00


Matheus R. B. Hentschke

Se fosse necessário definir A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017) em apenas uma palavra, não poderia ser outra: anacronismo. Adaptando o mangá Ghost in the Shell (1991) de Masamune Shirow e o anime O Fantasma do Futuro (1995) dirigido por Mamoru Oshii, a megaprodução da Paramount - que retrata um futuro próximo dominado pela tecnologia e pelas grandes corporações - parece mais um viajante do tempo, do que propriamente um "vigilante do amanhã".


Todos que conhecem de perto o mangá e o anime percebem suas inspirações no passado e o que acabou por inspirar no futuro. A obra seminal Neuromancer (1984) de William Gibson - saiba onde comprar - e filmes como Blade Runner (1982) de Ridley Scott estabeleceram os fundamentos nos quais Ghost in the Shell se alicerça, bem como toda a cultura cyberpunk. Entretanto, mais impressionante do que essas valorosas obras desse subgênero com uma considerável quantidade de admiradores e de seguidores - que o trabalho de Shirow sim homenageia - são os produtos do entretenimento que emulam descaradamente diversos conceitos apresentados no anime/mangá: o filme Matrix (1999) das irmãs Wachowski, a série Westworld (2016) de Jonathan Nolan e Lisa Joy - confira a nossa crítica - entre outros inúmeros livros, quadrinhos e películas que pegam emprestado as noções criadas em Ghost in the Shell e criam um universo tão amplo ou maior do que a da produção japonesa.

No entanto, o live-action protagonizado por Scarlett Johansson não deixa de reciclar e cooptar noções desses três passados, ou seja, daquele longínquo nos anos 80 com William Gibson e Ridley Scott, desse intermediário nos anos 90 com Shirow e com Oshii e deste mais recente nos anos 2000 com as irmãs Wachowski e com o casal Nolan e Joy. Nesse paradoxo pastiche que se encontra A Vigilante do Amanhã, que rouba conceitos visuais e narrativos do passado distante e próximo, mas que também foi quem auxiliou a construir nos anos 90, é que o filme de 2017 mostra-se embebido, trazendo, assim, o melhor que um visual futurista poderia apresentar, com seus hologramas que permeiam toda a cidade em propagandas de produtos e de espetáculos a serem comprados, os seres humanos que vivem, em sua maioria, em estado precário, objetivando comprar novas peças robóticas para seu corpo, a fim de transcender à humanidade e de se aprimorar fisicamente; o domínio promíscuo das corporações junto à sociedade e ao governo que aceitam esse paradigma, por ilusoriamente abraçar essa nova realidade de aperfeiçoamentos tecnológicos e a notada decadência dos costumes e das instituições de maneira generalizada.


Toda essa dinâmica existente é que eleva a obra a um patamar de metáforas e de alegorias de conjuntura da sociedade moderna, que formam a justificativa para a existência desse blockbuster da Paramount. Contudo, ainda que estabeleça esse mundo complexo tanto visualmente, quanto conceitualmente, a adaptação em live-action de Ghost in the Shell perde a chance de se tornar um dos maiores da temporada pelo motivo de seu temor em não arrecadar uma bilheteria polpuda (que pelo visto não conseguirá alcançar mesmo assim - saiba mais) que abarque o maior número de espectadores aos cinemas, no intuito de cobrir as despesas de uma produção que mostra-se requintada e luxuosa em seu design de produção, bem como em seu orçamento de mais de US$ 100 milhões. 

Assim, a película demonstra um nítido temor em se arriscar, em entregar algo autêntico que se diferencie ou que se equipare ao estofo de obras predecessoras do gênero que realmente provocaram com sua originalidade e com seu estilo acertados. De fato, é verdade que A Vigilante do Amanhã se abre a momentos de silêncios e de reflexões incomuns a blockbusters, porém a ousadia que deveria se estabelecer em outros quesitos da película, tais como os momentos de ação mais elaborados e não tão pasteurizados como os apresentados e o desenvolvimento narrativo de muitas frentes, mas de enraizamento parco acabam por tolir a ascensão da megaprodução ao nível em que deveria estar.


O enredo, uma mistura de diversas vertentes da franquia, traz Major (Scarlett Johanson), uma humana que perdeu todo o seu corpo restando apenas o seu cérebro que precisa de uma estrutura robótica para continuar a viver. Ela presta serviços ao Setor 9, em um esquadrão de elite que é designado a combater terroristas cibernéticos. Acompanhada de sua programadora/doutora Ouelet (Juliette Binoche) e de seu "Buddy cop" Batou (Pilou Asbæk), Major cumpre suas missões sempre questionando até que ponto sua humanidade existe em contraste com o seu invólucro robótico predominante. Fosse a obra trilhar a jornada da protagonista duvidosa de sua essência enquanto ser humano em paralelo com sua função policial/militar trabalhando para o governo/empresa Hanka, o resultado poderia ter sido extremamente mais satisfatório do que a necessidade de além de criar essas frentes, 
ainda ter de ilustrar a busca pelo passado da personagem de Johansson, com a inclusão de um vilão genérico, que serve apenas como um peão para o desenrolar dessa parte mal construída da trama.

Essa narrativa que não consegue encontrar seu rumo, sem desenvolver a contento cada uma das facetas propostas, acaba por gerar um distanciamento do espectador junto àquela jornada, ainda mais quando a protagonista de Johansson, ainda que cative pela grande presença de cena da atriz, que inclusive altera o seu modo de andar para trazer as noções de que sua personagem de fato é um ciborgue, acaba soando como um genérico de outras atuações na filmografia de Scarlett, tais como em Sob a Pele (2013) e em Lucy (2014). Mesmo apresentando um visual de encher os olhos, mostrando que os valores de produção foram usados para realmente engrandecer o projeto, e ainda que o enredo capte a essência do subgênero cyberpunk com destreza, A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell peca pela incapacidade de produzir empatia com seu público, devido a uma trama disfuncional que poderá enterrar quaisquer chances de estabelecer essa tão desejada franquia protagonizada por Scarlett Johansson. Em verdade uma pena, visto que poderia render grandes possibilidades no futuro.


Nota: 7,0 / 10



Trailer:




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