Cães Selvagens (Dog Eat Dog, 2016) | Crítica

22:24:00


Matheus R. B. Hentschke

"O resto é verborragia", diz o personagem Troy interpretado por Nicolas Cage. Concebida para soar como uma autoparódia do próprio texto da película, a fala em questão pode ser analisada sob a óptica global de Cães Selvagens enquanto obra cinematográfica: um acumulado de "wannabes" sagazes e divertidos, com suas cenas recheadas de humor negro, em situações para lá de absurdas, mas que iniciam em um ponto, sem levar a lugar algum sua trama parcamente desenvolvida.

O filme dirigido por Paul Schrader seria o equivalente futebolístico àquele jogador que dribla todos os seus adversários, para apenas sair com bola e tudo de campo. Nunca há a verdadeira sensação de que Cães Selvagens está guiando seus espectadores a algum ponto de real desenvolvimento narrativo. Tudo parece querer ser um pastiche de outras películas que tratam a violência excessiva e o humor negro como seu foco, tais como Trainspotting - Sem Limites (Danny Boyle, 1996) e Vício Frenético (Werner Herzog, 2009). Mais próximo do primeiro caso do que do segundo, há a sincera atmosfera de se estar vendo e ouvindo alguns floreios mal acertados e alguns gracejos apagados tanto do roteiro deveras falho de Matthew Wilder, adaptado do livro de Edward Bunker, quanto da direção pretensiosa de Schrader no longa que poderia ter ficado mais próximo da qualidade mediana de Vício Frenético de Herzog do que da sensação inócua deixada por Trainspotting de Boyle.

Ao contar a história de três ex-presidiários: Troy (Nicolas Cage), Mad Dog (Willem Dafoe) e Diesel (Christopher Matthew Cook) que vivem de pequenos serviços criminosos, a fim de arrecadar capitais irrisórios para gastar com drogas e com prostitutas, o longa até consegue produzir algum impacto com sua abertura que ilustra toda a violência desmesurada de Mad Dog em uma sequência que revela o potencial de Schrader como cineasta, ao abusar de cores supersaturadas e planos criativos. Entretanto, com o desenrolar da trama e a consequente apresentação dos conceitos básicos da narrativa, tais como os personagens e seus respectivos backgrounds, Cães Selvagens mostra a falta de recursos enquanto narrativa ao não conseguir avançar em qualquer direção, contentando-se com seus diálogos que pretendiam abarcar o trivial em sintonia com o absurdo, prática constante e acertada nos filmes de Quentin Tarantino, mas que aqui só conseguem produzir resultados insatisfatórios e confusos, devido a um texto carente de relevância e estofo. É impressionante o quanto esses diálogos geram momentos embaraçosos, devido à indefinição de seus objetivos, rir ou agredir? Como exemplo, Mad Dog conta a Diesel acerca de seus erros pregressos em tentativa de superá-los, mas permanece a estranha sensação de que aquelas falas e situações não encontram nem a agressão nem o humor pretendidos.



A película que queria com força ter o tom rebelde e sagaz de filmes como Cães de Aluguel (Quentin Tarantino, 1992), acaba por nem entreter, nem produzir quaisquer reflexões, portanto, não se justificando enquanto obra cinematográfica. É preciso destacar, contudo, que as atuações tentam dar alguma relevância ao longa, principalmente, a de Willem Dafoe e seu personagem psicótico e impulsivo, com arroubos de fúria descontroladas. Além de Dafoe, há um Nicolas Cage que merecia um texto exclusivo de sua carreira até aqui: com desastrosos trabalhos recentes, o ator já carrega um estigma de escolher papéis, roteiros e filmes com grandes tendências ao naufrágio, o que nesse caso não foi diferente. No entanto, dessa vez, Cage não compromete a produção e faz o possível com seu Troy apenas verborrágico, sem ter algo realmente relevante construído acerca dele.

Em suma, Cães Selvagens falha em agredir seu espectador com sua atmosfera de violência permeada pelo humor negro, erra ao entreter com seus diálogos pretensamente inteligentes e desliza ao não promover debate algum nem filosófico, nem político, mesmo que por vezes tenha flertado com esse caminho. Quanto a direção, Paul Schrader revela um enorme potencial para entregar um trabalho com identidade visual e assinatura, porém o roteiro equivocado parece guiar o cineasta para uma trilha que oscila entre o ousado e o irrelevante. 

Nota: 4,0 / 10

Trailer:


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