Nosso Fiel Traidor (Our Kind of Traitor, 2016) | Crítica

22:27:00



                                                    Matheus R. B. Hentschke

"John le Carré para a geração WhatsApp/Facebook" é isso que a diretora Susanna White entrega com a sua mais nova empreitada no cinema. Nada contra esses aplicativos/redes sociais: elas realmente são úteis, facilitadoras, mas o problema são as suas consequências. Um mar de pessoas que apresenta uma atenção fragmentada, ou seja, sempre em busca de estímulos para entreter uma cabeça já condicionada a receber pequenas e ininterruptas doses de prazer: uma mensagem recebida aqui, uma música ouvida lá, uma olhada no face e por aí vai. 


O filme da diretora Susanna White parece entender a falta de atenção e de paciência generalizada presente no espectador médio e entrega um trabalho sem profundidade alguma, quase uma galhofa, na expectativa de diluir as complexas tramas de espionagem para um público sem paciência com cliffhangers longos e de sutis soluções. O tiro saiu pela culatra, contudo, já que o medo de perder a atenção do espectador por parte da produção, que tenta a todo momento incluir situações-problema e soluções desinteressantes, concretiza-se logo no início do segundo ato, quando a faceta enganosa da trama se solidifica.

Nosso Fiel Traidor nada mais é do que o filme de espionagem embebido na cultura de massas do século XXI e com os defeitos de obras do século passado. Se os clássicos filmes desse gênero apresentavam um enredo multifacetado, cheio de tramas e subtramas que ao final convergiam em um final apoteótico ou, por vezes, anti-climático; Our Kind of Traitor está mais para uma comédia escrachada, com sua trama linear e irrelevante, ainda que a intenção fosse oposta. Partindo de uma trama rasteira, com Ewan McGregor interpretando Perry Makepeace e Naomie Harris, Gail Perkins, um casal britânico, que em uma viagem ao Marrocos, conhecem Dima (Stellan Skarsgård), um membro da máfia russa, que concede a Perry uma missão: levar um pen drive para o MI6 com informações sobre todo um esquema de corrupção envolvendo membros do governo e empresários, que irão permitir a Dima a sua definitiva saída do crime organizado, uma vez que ele pretende conseguir asilo político na Inglaterra e salvar sua família que se encontra em risco.





A maneira como esse plot inicial é desenvolvido acaba por ser de tamanha ingenuidade, que nem fazendo concessões para o gênero da espionagem, que por vezes força nos clichês, torna-se mais tragável. O personagem de Ewan McGregor está mais para uma paródia da já paródia de Bill Murray com o gênero em O Homem que Sabia de Menos. Para piorar, com o desenrolar da trama, o roteiro inclui a personagem de Naomie Harris no absurdo, que junto de seu marido tornar-se-ão agentes de campo. Em pouco tempo a película já perde qualquer credibilidade e o poço da vergonha parece apenas se estender com situações forçosas que exigem do espectador negligenciar qualquer lógica para aceitar o inverossímil, como a persistência do filme em fazer de dois civis, pessoas que participam de missões secretas de forma natural e espontânea, sem a proibição do MI6, que inclusive incentiva no papel de Damian Lewis, em mais um papel cansativo, mas menos do que em Homeland sem dúvida.

Os estereótipos estão presentes como se os anos da Guerra Fria tivessem retornado. A lógica de propaganda dos anos 80 em que "russo é tudo homem mal" está de volta, enquanto paralelamente o europeu, ocidental é apresentado como virtuoso, capaz de abdicar da burocracia da vida para praticar atos heróicos e salvar o dia. Além desse macro estereótipo, há os estereótipos individuais, com McGregor interpretando, no melhor estilo knows nothing ,um personagem que a toda hora está a um passo atrás em relação às informações disponíveis, Skarsgård, o russo canastrão, Lewis, o agente do MI6 desgastado pela vida, mas disposto a tudo por justiça e Harris em um papel tão mal desenvolvido pelo roteiro, que acaba por se resumir a expressões de pânico e revolta a todo o momento.




O clímax da película, na patética cena da cabana, em que Dima, sua família e o casal bom samaritano estão escondidos, é de um misènscene tão precário, que é difícil alguém, que se por ventura havia conseguido levar a sério tudo aquilo que já havia sido mostrado até então, não tenha abdicado de ver como algo minimamente crível. Como em uma cena de pós-ação, Dima pergunta a Perry o motivo de ele persistir em ajudá-lo e a resposta vem: "Não tenho ideia." A resposta é a mesma da razão acerca de ter assistido isso até ao final.

Nota: 4,0 / 10

Trailer:



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