O Contador (The Accountant, 2016) | Crítica

22:34:00




Matheus R. B. Hentschke 

É impossível não traçar um paralelo entre os filmes de Jason Bourne, estrelados por Matt Damon, e O Contador protagonizado pelo seu amigo de longa data Ben Affleck. Ambos interpretam personagens profusos em habilidades específicas que os tornam únicos no meio em que operam, vivem distantes do convívio social e de uma maior humanidade em suas maneiras de agirem e participam de filmes com a clara intenção de perpetuar franquias. Contudo, se Jason Bourne já garantiu 4 filmes e um spin-off, tendo uma sólida, ainda que não perfeita, carreira até aqui; O Contador carece do ímpeto e do frescor que seu irmão cinematográfico mais abastado possui.

O enredo parte da premissa de um personagem com autismo, vivido por Ben Affleck (Christian Wolf) que ao crescer se torna um contador com um escritório de fachada numa cidade pequena e com trabalhos para as maiores organizações criminosas do planeta. Paralelamente Ray King (J.K Simmons), o chefe do Departamento Criminal do Ministério da Fazenda, chantageia sua mais nova contratada analista, Marybeth Medina (Cynthia Addai-Robinson), para investigar e conseguir a imagem desse homem misterioso o mais rápido possível. 


Em princípio, parece aquele filme de roteiro supostamente complexo, cheio de diálogos complicados que tenta estabelecer a burocracia de uma caçada a um criminoso do "colarinho branco" de maneira tragável pelo público, mas não é bem isso o que ocorre: o que é bom em um primeiro momento, porém começa a gerar maus resultados com o seu desenrolar. Ao invés, da clássica perseguição entre "good guys vs bad guy", no qual tenta-se criar uma maior empatia pelo malfeitor; há uma redução no trabalho de fechamento de cerco por parte de Medina e King em detrimento de uma construção mais aprofundada de Christian Wolf.



Em flashbacks, tem-se a dura infância do personagem mostrada: as dificuldades enfrentados por alguém com a Síndrome de Savant, tendo necessidade de que tudo ande conforme suas compulsões, a procura de ajuda por parte dos pais, o abandono da mãe que não mais consegue conviver com aquela situação e a severa educação de seu pai. Esse contexto, em paralelo com a ilustração da vida friamente calculada de Wolf, entrega um primeiro ato bem interessante, tornando as peculiaridades da vida do protagonista algo instigante ao espectador. Não só isso, mas a escolha de Ben Affleck não poderia ter sido mais acertada, uma vez que sua inexpressividade como ator caiu perfeitamente (sem ironias) para um personagem que possui, na verossimilhança interna do roteiro, sérias dificuldades de relacionar-se e de agir com espontaneidade.


No entanto, a história escrita por Bill Dubuque acaba por trilhar um caminho de ampliação de conceitos, que acabam soando forçosos e, com o passar do tempo, tomam ares antiquados, para dizer o mínimo. O que decreta o início desse declínio é a entrada da personagem de Anna Kendrick (Dana Cummings), uma contadora que trabalhava na empresa de robótica na qual o protagonista faria um trabalho. 


O intuito era criar uma dinâmica interessante entre o jeito gélido e calculado de agir de Christian Wolf e sua personagem, que se assemelha a muitos estereótipos de comédias românticas, como a garota excluída e cheia de maneirismos que encontra um par atípico para lhe completar. Todavia, as cenas de diálogos entre os dois paulatinamente caem num ridículo tão grande, dando uma inesperada virada de clima com o todo apresentado até então, chegando ao ápice da cafonice numa cena em que os personagens começam a expor as dificuldades enfrentadas em suas vidas com direito a historinha, por parte da personagem de Kendrick, da compra malsucedida de um vestido para o baile de formatura, a fim de ser notada pelos outros colegas. Dessa vez a culpa é mais do roteiro do que de Anna Kendrick pela sua má performance, ao exigir da atriz a interpretação de um papel análogo a outros produzidos por ela e totalmente fora de contexto. 



A tentativa de criar um par amoroso para o personagem de Affleck é tão pífia, que, ao final, toda importância que o filme tenta dar àquela relação soa irrelevante. Mas, antes fosse só isso que transformou O Contador de uma película sutilmente instigante para algo que já não tinha como levar mais a sério: a cafonice instituída na relação entre Christian Wolf e Dana Cummings começa a se alastrar gerando momentos verdadeiramente constrangedores, como o evidente plot twist do enredo envolvendo o seu irmão, que não tecerei mais comentários para não conceder supostos spoilers. 


Além disso, outra grave falha de O Contador é a necessidade de se explicar, de não permitir ao espectador preencher possíveis lacunas com a sua interpretação. Não, a película não permite isso a quem está assistindo, optando por bombardear a todo momento o espectador com flashbacks explicativos e, até mesmo, uma longa explanação na qual o personagem vivido por J.K. Simmons torna quase todas as cenas que haviam aparecido de forma não linear num quebra-cabeças pronto para quem está assistindo.


É notória a constante vontade do roteiro em desvendar todos os porquês daquele protagonista tão excêntrico de agir assim e de ter as habilidades que tem. Parece impossível à direção não unir o piegas a explicações desnecessárias, redundantes. Tanta é essa necessidade, que ao final tem-se uma cena na qual o vilão explica todo o seu plano malvado para um Ben Affleck aspirante a Jason Bourne que recém havia enfrentado uma horda de capangas. Uma pena ter que salientar todas essas falhas, uma vez que os personagens de Ben Affleck, J.K. Simmons e Cyntia Addai Robinson realmente poderiam funcionar em uma franquia que mais dependerá de seu sucesso na bilheteria do que sua qualidade propriamente dita para continuar. Realmente tudo é possível. Confira uma cômica entrevista com Ben Affleck e Anna Kendrick.

Nota: 6,0 / 10

Trailer:



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